terça-feira, 4 de maio de 2010

Mozart-Sociologia de um gênio

Esse livro de Norbert Elias é um daqueles livros que mexem com a gente.Eu li para apresentar um seminário na faculdade mas não consigo parar de pensar em algumas idéias desse autor brilhante.Ainda por cima,ao contrário da maioria dos sociólogos,ele apresenta essas idéias de forma muito clara e atual,eu quase cai da cadeira quando li que o autor era nascido em 1897!
O livro aborda as dificuldades da produção artística(principalmente para os músicos) na sociedade da corte no século XVIII a partir da vida de Mozart.
Mozart foi criado dentro dos padrões da corte,pois seu pai que foi também seu educador,era músico da corte.
Era portanto um burguês que sabia perfeitamente compor músicas no gosto da corte,mas tinha um desejo enorme de romper com esse padrão por querer mostrar sua criatividade como músico e não ser apenas mais um "macaquinho de auditório" dos aristocratas.Por ser o gênio prodígio que era não se conformava que com tanto talento pudesse ser menosprezado e não conseguir chegar onde queria por não pertencer a uma classe social.
Talvez se tivesse resistido por um pouco mais,teria o reconhecimento que tanto desejava ainda em vida,assim como teve Beethoven,mas sem dúvida sua tentativa influenciou positivamente muitos artistas posteriores(como o próprio Beethoven) e também a sua música.
A forma tão humanizada como Elias apresenta Mozart,com angustias e inseguranças,nos aproxima de sua estória e nos gera admiração pela sua superação daquelas pela arte durante tanto tempo.Consagra Elias por suas interpretações brilhantes,que não nos permitem admirar a trajetória de Mozart sem sentir gratidão a Elias por uma apresentação tão diferenciada.Ao contrário de muitos autores que deixam seu ego falar mais alto do que a estória que se propõem a contar e escolhem escrever de forma tão rebuscada( como que para dizer a todo tempo "estou aqui,essa é minha marca,olha quantos termos eu conheço,vê como sou inteligente?" )e se prendem tanto a isso que acabam nos oferecendo um trabalho incompleto e extremamente exaustivo.
Pois bem,para mim, a máxima do livro de Norbert é uma equação que ele apresenta de forma indireta no capítulo "O artista no ser humano" e que confesso só ter notado ao reler o capítulo lá pela terceira vez,fico feliz dela enfim ter acenado para mim.
Nesse capítulo ele fala como avançar em termos de civilização está sempre relacionado a desenvolver novas formas de controlar a animalidade que faz parte de nossos dotes naturais,a fim de melhorar nossa relação com nós mesmos e com os outros.Afinal como seriam nossas relações se sempre atendêssemos aos impulsos de nossa animalidade?Provavelmente caóticas.
Para explicar o caso de Mozart,Elias fala da sublimação.
A sublimação,que descobri depois ser um conceito criado por Freud,consiste justamente em transformar essas energias que até então seriam ruins para nossas relações(raiva,angustia,carência...até as mais esquisitas...) em algo socialmente aceitável.
Mozart tinha um pai extremamente controlador,um amor não correspondido,uma enorme necessidade de ser amado,diversas frustrações como artista(e por ai vai...),ou seja,tinha essas energias de sobra.Mas quem dera fosse apenas isso necessário para que nos julgassem talentos magníficos como Mozart ?
É preciso juntar essas energias com o universo de fantasias que habita a mente do artista,este por sua vez precisa de um profundo conhecimento do "material" que usará para "desprivatizar" esses sentimentos.Sem ele,seriam apenas fantasias e sentimentos reprimidos de um indivíduo.É a desprivatização proporcionada pelo material( e reforçando:um bom conhecimento dele) que torna tantos sentimentos e fantasias universais.O material no caso,seria sons,cores,formas...
De acordo com os relatos do livro,Mozart além de começar a tocar piano desde a infância,o fez pelo desejo de conseguir mais atenção do pai,que ensinava música para sua irmã mais velha.Portanto foi cedo que Mozart começou a ganhar intimidade com os sons e sublimar suas fantasias através dele.
É justamente nessa questão que surge o maior conflito/desafio do artista:relacionar de forma harmônica suas fantasias com o material.Saber até que ponto pode ir com um sem deformá-lo e sem desrespeitar o que é intrínseco ao outro.
Por último,mas não o menos importante item dessa equação,considera-se a consciência artística.É a partir dela que o artista confere se está "tudo na medida certa" para enfim nascer a obra de arte.
Fluxofantasia +material + consciência artística = obra de arte

*A sublimação não tem por objetivo reprimir os instintos animais e sim buscar a melhor forma de comunicá-los.Se fossem anulados,provavelmente também seriam os artistas.

*E desde então não consigo parar de pensar que outras formas de sublimação são estas que estão espalhadas por aí(esportes?a luta por exemplo,quantas vidas já deve ter salvado por sublimação...política?jogos?a escrita sem dúvida deve ser a mais explícita),virou meu novo jogo imaginário,junto com o de somar os números de casas e prédios para ver se dá sete...