segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Eu,Tu,Ele e Nós

Filho único,tudo seu era único,unicamente seu.Todo dia era a mesma rotina para o trabalho:no banho lavava a cabeça com o shampoo para seu tipo de cabelo,vestia-se com a roupa adequada a o que achava ser seu estilo.Saia de casa cheio de si,literalmente.Entrava em seu carro,conferia se os espelhos e o banco estavam do seu jeito e fechava os vidros do carro antes de dar partida,fechava-se em si.
Mas no trânsito era fatal:seus olhos lhe traiam.Tentava fixar os olhos no semáforo e nas placas mas isso causava acidentes.Teve que começar a olhar pro lado e do lado tinham carros,carros cheios de identidade,outras identidades...os viadutos tinham identidade com todos aqueles grafites e cartazes,os prédios também com suas janelas quebradas,com sua arquitetura singular...
Mas de tudo,o que mais lhe causava inquietação era o ônibus,o trasporte..coletivo!!
Demorou muito para encarar este.Foi duro viu.Toda aquela gente misturada.Como pode?
Ficava extremamente confuso em observar uma vida diferente em outra redoma ao seu lado,com outras maneiras,outras formas de batucar no volante...
Agora...o ônibus?O tranporte co-co-co-co.........enfim,você sabe.
Um dia aconteceu:o carro pifou.O trabalho era longe.Teve que encarar ou seria demitido,e adorava seu emprego:empacotador.Fazia questão de enrolar as encomendas em metros e metros de plástico bolha antes de colocar na caixa.Certificava-se de que a encomenda estava bem protegida.E todo mundo adora plástico bolha ?Ele adorava plástico bolha.Bolha,bolha,bolha.Enfim.O patrão reclamava do desperdício mas os clientes adoravam.E você sabe,o cliente tem sempre razão...
Mas hein...nunca sentira aquela sensação esquisita,ligou pro médico e ele disse que não era nada sério,que tinha gente que até gostava de sentir aquilo.Disse que era uma tal de...adrenalina.
Tomou coragem(e Lexotan também) e foi...foi atrás do ônibus.Quando foi entrar pela porta da frente só faltou ser linxado por um aglomerado de velhinhas,sem entender muito bem viu que tinha outra entrada e resolveu arriscar,lá tinha um cara com uma catraca do lado,e uma gavetinha que tinha moedas e notas.Ficou fascinado.
"Não sabia que os seletivos eram tão bem compreendidos por essa massa,ele fica aqui sentado em seu banquinho e as pessoas ainda contribuem para que ele possa comprar seu carro!mas por que um só?que esquisito será que..."
Um menino lhe cutucou no ombro:"como é tio?tem gente querendo seguir seu destino e você tá empatando aí."
" você quer passar lá para a muvuca vá rapaz,eu vou ficar aqui do lado do meu companheiro" e fez como quem fosse apertar a mão do trocador.
"Boa tentativa coroa,mas passa o dinheiro que a gente tem que seguir"
Achou que o cara foi meio grosseiro ao pedir a contribuição daquele jeito,mas entendia o que era ter q andar de co-co-co-co...enfim.Para falar a verdade não entendia,temia.Tentou ficar ali do lado de seu "camarada seletivo",mas logo foi empurrado pelas outras pessoas.
Mas como eu e você já estamos cansados de saber:quem desdenha quer comprar.Ficou tão louco com aquilo que mais tarde descobriu ser diversidade(de cheiros,vozes,risadas,tipos),que chegou a chamar todo mundo que estava no ônibus para almoçar em sua casa.Queria desesperadamente estar perto daquilo outra vez.
Agora ele só quer saber de empacotar todas as encomendas juntas lá na empresa,tá dando a maior confusão.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Balzaca World

Era uma mulher adulta agora,e como se essas duas palavras já não pesassem suficientemente juntas,era uma mulher adulta solitária.
Ziguezagueava entre o turbilhão de pessoas apressadas que pareciam irritadas com a leveza dos seus passos.Porém eram passos leves de quem queria estagnar,muito diferentes de passos tranquilos.Talvez se andasse com a a cabeça erguida os passantes pudessem ver isso em seu olhar,mas de que valeria?Continuariam a ser vultos que a cumprimentariam apenas com expressões.''Por que demorei tanto para perceber?”ser perguntava.Mas sabia que na verdade lhe faltava era aceitar.
Quanto tempo passara?Vinte,trinta anos?Ela pouco notara em sua rotina pálida.Amigos?Um a consumia demais e o outro era gentil mas superficial.O cigarro e o “pretinho básico”.Os de carne e osso já tinham se casado e tido filhos.
Teve o insight quando a idade e o cigarro não deixavam mais o pretinho básico cumprir seu papel.E então o descartou assim como as verdades que só os bons amigos dizem antes de os perdermos.
Lembrou da última vez que visitara algum amigo e como suas casas eram sempre repletas de porta-retratos preenchidos por fotos de “família feliz”.
Chegou em seu apartamento.Tão clean e minimalista quanto seu coração.Estirou-se num divã,tirou os sapatos com os pés,pôs outro cigarro na piteira.Olhava para o teto enquanto soltava fumaça pelo canto da boca.Tateou desajeitadamente o chão com uma das mãos até encontrar a taça de martini.Tornou a soltar fumaça pela boca.
“Que bom que não tenho uns capetinhas daqueles,assim você continua sempre assim,lindão!Sabia que você é exatamente como eu sempre quis?”Falou isso de forma pateticamente sedutora,soltou um beijo para o ar.
Roncos...Roncos?Acendeu o abajour.Então era um sonho.Ensaiou tacar o livro da cômoda no “maridão”,mas um espelho a sua frente fez com que na cara amarrada aflorasse um sorriso,e por fim,uma gargalhada.O mesmo espelho mostrava-lhe rugas,e as rugas,lembranças de tempos bem vividos.

Nina

Tudo começou no seu aniversário de 8 anos.Dona Cocótinha lhe deu os parabéns e falou: -Parabéns Nina,tome aqui,é só uma lembrancinha! Mal sabia Dona Cocótinha que criança leva tudo ao pé da letra.Nina nunca mais foi a mesma e Dona Cocótinha ninguém nunca mais viu. Desde então,sempre sentia saudade do passado.Por isso nem notava que vivia.As vezes encontrava com conhecidos na rua e lhes espantava a forma como ela lembrava detalhes de acontecimentos que nem lembravam que ela estava presente.Mas estava?provavelmente estava numa situação anterior,como naquele momento.Enfim lhe perguntavam de como andava a vida agora: a resposta vinha monossilábica e o olhar perdia o brilho.Apressava-se em se despedir e seguia a passos largos e confusos. Sua casa era colorida pois remetia-lhe a infância.Espelhos não tinha,em vez disso fotos.Fotos de momentos especiais que não podia esquecer e se a perguntassem se gostaria de revivê-los ela responderia incansavelmente que sim. Essa sua forma de passar a vida afastou os amigos.Mas sabe que ela nem percebeu?Fazia todo mês uma nova excursão e trazia novas fotos para sua coleção:um novo lugar com um grupo enorme de "amigos" alegres.Se deliciava dias! Aos 30 anos Nina resolveu fazer uma festa de aniversário novamente afim de juntar todas as pessoas que tinha na lembrança.O tema seria "O castelo rá-tim-bum" uma série que Nina adorava na infância.Muitos convidados vieram pela curiosidade de saber como Nina estava e por saber que reencontrariam velhos conhecidos graças a sua excentricidade. Foi só no fim da festa,quando Nina estava comendo os docinhos que sobraram,que a senhorinha frágil entrou.Fazia tempo,mas Nina podia se lembrar de Dona Cocótinha."Meus parabéns Nina,tome aqui seu presente."